sábado, 30 de abril de 2011

Concessão de terminais não esgota solução do caos aéreo

A decisão do governo conceder de terminais ao capital privado é uma notícia bem-vinda. Contudo, sem solucionar as outras deficiências do setor aéreo, a iniciativa pode se tornar inócua

Carolina Guerra (http://www.veja.com/).
  Em 2030, estima-se que o Brasil terá o triplo do número de viajantes (Sérgio Dutti/AE)

Quem viajou de avião nos últimos meses certamente pensou: “Se agora está assim, imagine com a Copa e as Olimpíadas”. A reflexão não é sem fundamento. Voar no Brasil tornou-se um exercício de paciência tanto para ir quanto para chegar. São filas gigantescas, corredores estreitos, escassez de profissionais, dificuldade para obter informação, aperto e uma evidente ausência de planejamento. Como se não bastasse, a maioria das obras de ampliação e melhoria previstas está atrasada. Preocupada, a presidente Dilma Rousseff deu nesta semana o sinal verde para a concessão à iniciativa privada da construção e operação de terminais em aeroportos no país. Guarulhos, na Grande São Paulo; Viracopos, em Campinas; e Brasília são os primeiros da fila. Ainda não se sabe, porém, os detalhes destas licitações e qual será a solução a ser arquitetada para os outros aeroportos. A notícia é positiva, mas está longe de representar uma solução suficiente.
Especialistas ouvidos pelo site de VEJA alertam que a quantidade e as condições de infraestrutura dos aeroportos não estão à altura da demanda de passageiros que se forma no Brasil – e que aumenta independentemente dos grandes eventos esportivos que ocorrerão por aqui. Eles vão além: mesmo que o cronograma de obras a ser executado pelo setor privado nos terminais novos transcorra sem problemas, é muito provável que o caos aéreo continue. A explicação é simples: o fato de a operação do setor ser muito complexa faz com que de nada adiante ter uma instalação novinha se todo o resto continuar como antes. A Copa e as Olimpíadas apenas escancaram, portanto, a urgência da questão. Mesmo a escolha do melhor tipo de gestão para o ramo não é trivial. Há diferentes modelos no mundo, adaptados às características de cada local (veja quadro).
Em seminário realizado nesta semana durante a feira Airport Infra Expo, em São Paulo, o clima entre empresários e especialistas era de preocupação. “Ainda não vimos um tijolo ser levantado para fazer as obras”, dispara Carlos Ebner, diretor para o Brasil da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata, na sigla em inglês). O consenso geral entre os presentes é que, quando se fala em infra-estrutura para receber passageiros, a palavra que melhor descreve a situação é atraso. Representantes do governo procuraram minimizar o problema. “Todas as obras estão dentro do cronograma previsto. Todo o mais é decisão de governo”, afirma Willer Furtado, superintendente regional da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero). “Existem atrasos dos municípios. São doze (cidades) sedes e boa parte está com problema. Eu diria uma meia dúzia”, admitiu Mario Negromonte, o Ministro das Cidades.
Em vista dos atrasos, soluções com cara de ‘jeitinho brasileiro’ começam a aparecer. É o caso da discussão sobre os Módulos Operacionais Provisórios, apelidados oportunamente de “puxadinhos”. Trata-se de um tipo de construção de emergência para funcionar como um terminal. “É claro que, até a Copa, algo será feito. Mas há grande chance de os projetos saírem mais caros ou até serem feitos sem licitação em vista do curto prazo”, disse Andre Castellini, especialista em aviação da consultoria Bain & Company. “Se tivesse começado há cinco anos, quando o Brasil teve a confirmação de que sediaria a Copa, com certeza não teríamos tantos problemas”.
De fato, os estudos sobre a situação dos aeroportos não são nada otimistas. A mais recente e polêmica pesquisa é a do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que aponta que quatorze dos principais aeroportos brasileiros operam acima de 100% da capacidade. E mais, constatou que, mesmo que fosse possível concluir os investimentos nos prazos previstos pela Infraero, a situação continuaria de sobrecarga. “O setor continua sendo planejado com o olho no espelho retrovisor em vez de se preparar para quarenta anos à frente”, aponta o documento. O Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias foi mais longe. “O que vai ocorrer é o caos completo”, afirmou o presidente da entidade, José Márcio Monsão Mollo, em audiência no Senado. Outro estudo, da consultoria McKinsey, mostra que a demanda por vôos vai triplicar nos próximos 20 anos: os 111 milhões de passageiros de hoje serão 312 milhões de pessoas por ano. Para dar conta deste imenso mercado, diz a McKinsey, seria preciso ampliar a capacidade em um volume que equivaleria a construir dez aeroportos de Guarulhos, o maior do país.
Complexidade – A grande dificuldade que o governo encontra no esforço de melhorar o setor vai muito além da necessidade de expandir instalações. Um grande desafio é coordenar as inúmeras tarefas da aviação civil entre os órgãos que dela participam – e que nem sempre se entendem. Funciona assim: a Infraero cuida dos aeroportos; a agência reguladora setorial, a Anac, da normatização das linhas aéreas e do controle do que acontece no chão; e a Aeronáutica controla o espaço aéreo. Somam-se a isso as tarefas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que têm de checar o trânsito de alimentos, medicamentos, etc; e da Polícia Federal, que cuida das emissões de vistos e passaportes, checa a documentação de estrangeiros, entre outras tarefas. Há ainda a Receita Federal que fiscaliza e cobra os impostos relativos a entrada de produtos e valores no país. Em resumo, trata-se de uma intricada teia de serviços que precisa trabalhar em perfeita harmonia. “O método de gestão pode ser modernizado para se antecipar a problemas. É possível realocar mais pessoas quando se tem a informação de que haverá picos de passageiros. Falta eficiência”, aponta Marco Fábio Morsello, professor de direito na USP e autor do livro ‘Responsabilidade Civil no Transporte Aéreo’.
Sobre a concessão dos terminais, uma fonte ligada ao caso foi ainda mais incisiva. “O que o governo está apresentando é um paliativo. A sociedade pressiona por novos terminais e é isso que vai aparecer. Ele não está preocupado se vai funcionar bem. Construir terminais sem investir em tecnologia e eficiência de gestão não vai adiantar nada. O espaço ficará ocioso. A Infraero gerencia muito mal os aeroportos”, completa.
Justamente para tentar por alguma ordem na casa e melhorar a eficiência, a presidente Dilma criou em março a Secretaria de Aviação Civil, uma entidade com status de ministério cuja missão é justamente organizar o setor. O escolhido para a tarefa é Wagner Bittencout, ex-diretor do BNDES que, de acordo com Paulo Lanothe, porta-voz da recém criada secretaria, ainda está tomando conhecimento da situação. “Queremos olhar o que podemos fazer daqui pra frente”, diz Lanothe. A criação da secretaria, é bom lembrar, fará com que todos os órgãos respondam a ele. Com isso, a Anac – que legalmente é um órgão regulador independente – ficará subordinada ao governo. Estratégia e pressa não combinam.
(Clique nos números ou nas abas e conheça diferentes modelos de gestão de aeroportos adotados em outros países)

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